segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Regicídio - 1 de Fevereiro de 1908

Das memórias da Marquesa de Rio Maior
Amanheceu lindo o dia 1 de Fevereiro
[Os Reis, acompanhados do Príncipe herdeiro D. Luís Filipe, chegavam nessa tarde a Lisboa regressados de Vila Viçosa]
Quando chegámos ao cais já o sol ia baixo (…). Na sala de espera estavam muitas Damas, No cais, o ministério e numerosos dignitários conversando com o Infante D. Manuel.
Aproximei-me do meu sobrinho Aires de Ornelas, ministro da Marinha, e disse-lhe:
-Por toda a parte se fala em bombas contra os ministros e a Família Real por causa de hoje se ter decretado a suspensão das garantias. Vê lá se mandas examinar o cais. (…)
Estava encostado à porta da sala o Comissário da Polícia, o capitão Dias, a olhar para todos com uma preocupação que não lograva disfarçar! Apareceu nessa altura uma pequena com um grande ramo de flores para a Rainha. O capitão Dias deixou-a entrar não sem, ao que me pareceu, literalmente varar o ramo com os olhos.
Soube-se então que o comboio de SS. MM. tinha sofrido um pequeno descarrilamento e chegava com 40 minutos de atraso (…).
Eram mais de 5 horas quando se avistou ao longe o vapor que se aproximava. (…)Entretanto o vapor estava próximo do cais (…)
O Príncipe gritou de longe para o irmão:
- Sabes? Tivemos um descarrilamento.
El-Rei (…) tinha uma cara um pouco fatigada e parecia triste
A Rainha entrou na sala onde estávamos e recebeu o ramo das mãos da pequenita (…). El Rei, com a Rainha e os Príncipes, subiu para o landau, ordenando que o abrissem
Partiram
Eu fiquei à espera da minha carruagem (…) Também estava junto de nós João Franco, que por sua vez esperava a carruagem.

De repente o António Lavradio exclamou:
- Oh tia, cheira-me aqui a pólvora – e abalou a correr (…) salta para o estribo da [minha] carruagem e grita-me: - Mataram o Rei e o Príncipe (…)
Apareceu um tal Leitão (…) que me disse só de fugida
- Os corpos dos assassinos estão ali. Dizem que um é estrangeiro


Da Biografia de D. Carlos:

A tarde do dia 1 de Fevereiro em Lisboa foi de céu limpo, com sol (…). Por volta das quatro horas da tarde, esperava-se a chegada da família real à estação fluvial do Terreiro do Paço, vinda do Barreiro num dos barcos a vapor que levavam e traziam passageiros de Lisboa para a Estação de Caminhos de Ferro de Sul e Sueste (…). Pouco depois das 5, o vapor D. Luís atravessou finalmente o Tejo, com o rei, a rainha e o príncipe real (…). Quando [desembarcaram] já João Franco lá estava ao lado do Infante D. Manuel, do Infante D. Afonso e de outros ministros. O Rei teve, segundo a Rainha uma “grande conversa com Franco (…) Tudo Parecia desenrolar-se segundo o protocolo normal (…). Uma criança ofereceu um ramo de flores [à Rainha]. A família real subiu para uma carruagem descoberta. O Rei e a Rainha sentaram-se atrás, com a Rainha à direita do Rei e os dois filhos à frente, de costas para os cocheiros, ficando o príncipe real diante de D. Carlos.
A carruagem real terá saído da estação fluvial (…) entrou na praça do Terreiro do Paço isolada, precedida dos dois batedores do costume (…). A carruagem ia bastante devagar (…). Debaixo das arcadas dos ministérios e na plataforma central (…) alguma gente (…) via passar o rei. A carruagem dirigia-se para a rua do arsenal.
Deviam ser 5 horas e um quarto (…) quando se ouviu um tiro. O Infante (…) viu então na plataforma central da praça “um homem de barba preta, com um grande gibão, tirar uma carabina debaixo das abas da capa braço, avançar para o meio da rua, colocar-se atrás da carruagem, apontar na sua direcção e disparar” (…). Nesse momento, irrompeu “uma perfeita fuzilaria” [e] foi nessa altura em que um outro homem saiu debaixo das arcadas do Ministério da Fazenda, correu para a carruagem, dependurou-se no estribo e disparou pelo menos duas vezes sobre o rei com um revólver (…). D. Amélia brandia o ramo de flores e gritava “infames, infames”. O Príncipe real empunhava um revólver (…). De repente (…) o Infante notou que algo se passava com o irmão. D. Luís Filipe, até então de pé, caíra na carruagem “tombando para o lado direito”. D. Manuel viu que o Príncipe tinha “uma ferida enorme na face esquerda de onde o sangue jorrava como uma fonte” (…).
Tudo, aparentemente, durou cerca de 5 minutos, segundo o registo de ocorrências na estação de bombeiros do Terreiro do Paço. Os bombeiros de serviço registaram às 5h20m: “Ouvimos agora muitos tiros, talvez uns vinte”; e logo às 5h22m, o comunicado de um bombeiro que acabara de chegar e vira “o rei esvaindo-se em sangue dentro da carruagem. Deve estar morto”.
Na década de 1980 uma peritagem à carruagem e roupa de D. Carlos e de D. Luís Filipe realizada pelo Laboratório da Polícia Científica de Lisboa (…) detectou a acção de duas carabinas e de duas pistolas, confirmando o testemunho daqueles que viram vários indivíduos disparando sobre a carruagem real. Terá havido um momento em que o cocheiro perdeu o controlo dos cavalos e provavelmente deixado parar a carruagem sob o tiroteio. Os tiros de que ficaram marcas na carruagem indicam que o rei e o príncipe real foram alvejados repetidamente (…)

campas de Manuel Buiça e Alfredo da Costa


Das memórias da Marquesa de Rio Maior

Uma das coisas mais horríveis e vergonhosas destes dias negros, foi a romagem que se organizou ao Alto de S. João, às sepulturas dos regicidas (…). O préstito fora organizado pela Associação do Registo Civil, que fornecia as flores.


Considerações de Guerra Junqueiro numa carta a um amigo espanhol datada de 10 de Fevereiro de 1908.
Não mataram o rei, suicidou-se (…) O rei era um monstro maléfico, perturbador de 4 milhões de criaturas. (…) O Partido Republicano nem organizou nem aconselho o atentado. O atentado foi obra única de dois homens (…) Foi um atentado nacional (…). Lamento de olhos enxutos a execução do monarca. Mas se tivesse o dom de o ressuscitar, não o levantaria do túmulo. E diante do cadáver dos homicidas descubro-me com frémitos de terror, lágrimas de piedade (…) de admiração e de carinho. Mataram? É certo. Ferozes? Sem dúvida. Mas cruéis por amor, ferozes por bondade (…) Estes dois corpos plebeus, varados de balas, crivados de golpes, irradiam amor, afecto, descanso para a nação inteira. Há um rei no trono. Mas hoje, nesta hora de liberdade e de clemência, pode dizer-se que são eles os dois regentes do reino.


A propósito do Regicídio, António Reis, numa entrevista que deu recentemente ao jornal Correio da Manhã, teceu as seguintes afirmações:


Hoje está provado que as mortes foram obra de um pequeno grupo de carbonário, que actuou à revelia, através de uma loja especial chamada “Coruja”. De resto, a Maçonaria condenou o regicídio pela voz de Magalhães de Lima [Grão Mestre de então]. Nem à Maçonaria, nem ao Partido Republicano interessava um acto que poderia reunir a classe política e atrasar a queda da Monarquia (…)


Nota: Para a redacção dos textos sobre o Regicídio, foram consultadas as seguintes fontes:
- BNP (2008), 1908, Do Regicídio à ascensão do Republicanismo, online [carta de Guerra Junqueiro]
- COLAÇO, Berta da Gonta (2005), Memórias da Marquesa de Rio Maior, edição Parceria António Maria Pereira, pág. 235 a 238 e 245
- CORROMEU, Francisco (2008), Do 28 de Janeiro de 1908 ao 5 de Outubro de 1910, conferência realizada na Biblioteca do Museu Republica e Resistência, Lisboa, 28 de Janeiro de 2008, online
- RAMOS, Rui (2006), D. Carlos, edição do Círculo de Leitores, pág. 315 a 317
- Site do GOL, www.gremiolusitano.eu, a 30 de Janeiro de 2010

2 comentários:

  1. gosto muito dos textos que a professora Anabela escreve.
    gonçalo 6ºD nº9

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