segunda-feira, 1 de março de 2010

Figuras Femininas da República

Maria Carolina Frederico Crispim, conhecida pelo pseudónimo de Maria Veleda, nasceu em Faro a 26 de Fevereiro de 1871. Ficando órfã com a idade de onze anos, começou a trabalhar muito cedo, dando explicações. Como professora do «magistério primário particular» leccionou em Faro, Bucelas, Ferreira do Alentejo e Serpa. Como professora «régia interina», deu aulas em Odivelas do Alentejo e, a partir de 1905, em Lisboa onde fixou residência. Na capital começou por ser professora num asilo de onde se transferiu para um colégio na Baixa. Mais tarde aceitou o lugar de «professora regente» no Centro Escolar Republicano Afonso Costa, localizado na Calçada de Arroios, iniciando aí a sua formação republicana. Em 1909 dirigia já a escola do Centro Republicano da Ajuda.
Maria Veleda compatibilizava o seu trabalho docente com o de colaboradora em jornais e revistas. A partir dos dezanove anos passou a escrever em periódicos, tendo textos seus publicados no Diário Ilustrado, República, Heraldo Tradição, Ave Azul, O Repórter e Sociedade Futura. Foi redactora nos jornais A Vanguarda, O Século e A Pátria. Depois de 1910, teve a seu cargo a secção «Missa Democrática», do jornal A Vanguarda, com uma função moral e educativa segundo os padrões republicanos.
Foi ainda durante a Monarquia que Maria Veleda aderiu ao republicanismo. Conviveu com os seus principais dirigentes, participou activamente em comícios, manifestações, palestras e acções de propaganda política, onde ganhou notoriedade enquanto oradora das questões sociais e das causas dos mais fracos. Algumas das suas intervenções foram dadas à estampa, com o título A Conquista prefaciado por António José de Almeida. Em 1909 foi condenada por abuso de liberdade de imprensa pelas críticas violentíssimas que teceu à Rainha D. Amélia no artigo «Carta aberta a uma dama franquista» publicado no jornal A Vanguarda.
Como outras dirigentes feministas do seu tempo, em 1907 foi iniciada na Maçonaria, na Loja Humanidade, escolhendo como nome simbólico Angústias. Integrou a comissão organizadora do Primeiro Congresso de Livre Pensamento e em 1911 participou no Congresso do Partido Republicano Português, aderindo posteriormente ao Partido Democrático de Afonso Costa, de quem se sentia muito próxima.
Com um discurso muito político, Maria Veleda preocupou-se com a situação miserável do proletariado e das repercussões da miséria nos seus agregados familiares, não descurando, contudo, a causa da emancipação da mulher. Como educadora procurou fundar escolas maternais e incentivou a criação de cursos nocturnos para as mulheres poderem aprender a ler, como aconteceu com os Centros Escolares Afonso Costa e António José de Almeida que ela própria dirigiu. Como feminista, defendeu a educação da mulher que, começando na Escola Maternal, deveria dotá-la com uma cultura intelectual, física e moral em tudo semelhante à do homem. Para estar de acordo com estas ideias, Maria Veleda atacou vigorosamente a falta de uma política de educação para as raparigas, a quem era ministrado um ensino fundamentalmente teórico, de onde estavam arredadas as componentes manual e física. Olhando à sua volta, criticou também a falta de condições materiais e higiénicas da maior parte dos edifícios escolares.
Militante da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas desde a sua fundação, em 1908, e uma das principais dirigentes, Maria Veleda sua presidente durante o triénio 1913/1915, tendo a seu cargo a direcção das duas publicações, a revista A mulher e a criança e o jornal A Madrugada.


1ª página da revista A Mulher e a Criança

Na Liga, Maria Veleda foi a principal impulsionadora da Obra Maternal, que tinha por objectivo proteger e educar as crianças vítimas de abandono e de maus tratos, procurando assim minorar o alastramento da mendicidade infantil nas ruas de Lisboa. De facto, as mulheres da Liga consideravam e defendiam que uma das obrigações da República seria precisamente a protecção das crianças. Pelo papel destacado na Obra Maternal, Maria Veleda foi nomeada, em 1912, delegada de vigilância da Tutoria Central da Infância de Lisboa, passando, em 1918, para ajudante de secretário daquela Instituição, cargo que manteve até à sua aposentação em 1941.
Apesar de ter sido educada catolicamente, Maria Veleda foi profundamente anti-clerical e anti-religiosa. Assumindo-se como livre pensadora, considerava os padres e a religião como os maiores inimigos da República, da Pátria, da ciência, da razão e do progresso humano. As suas posições extremadas, não só do ponto de vista religioso como ideológico, uma vez que nunca foi sufragista, defendendo o voto universal, fizeram-na entrar em colisão com Ana de Castro Osório que abandonou a Liga para fundar a Associação de Propaganda Feminista. Em 1913 Maria Veleda representou a Liga no XVII Congresso Internacional do Livre Pensamento.
Se em 1915 esteve contra a Ditadura de Pimenta de Castro, um ano mais tarde foi uma das indefectíveis apoiantes da participação de Portugal na Grande Guerra, participando em conferências e sessões públicas um pouco por todo o país. Em finais de 1915, juntamente com outras sócias, abandonou a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas bem como a direcção do jornal A Madrugada, para vir a fundar a efémera Associação Feminina de Propaganda Democrática.
Na década de 20, desiludida com o rumo que a República tomava, Maria Veleda desinteressou-se pela intervenção pública activa, tornando-se jornalista dos jornais Século e A Pátria de Luanda, onde continuou a defender os ideais feministas e republicanos. Morreu em Lisboa, a 8 de Março de 1955, cinco anos depois de ter publicado no jornal República, entre Fevereiro e Abril de 1950, as suas Memórias.
Se Maria Veleda não teve a mesma projecção das outras dirigentes feministas do seu tempo, pode dever-se ao facto de ter sido considerada como uma revolucionária, uma radical, com ideias demasiadamente extremistas para o seu tempo. Porém, pelo seu percurso multifacetado, pela sua intervenção pública, pela sua militância política e feminista, Maria Veleda será uma personalidade a desvendar.
Dois apontamentos de Maria Veleda sobre o feminismo e o direito ao voto por parte das mulheres:
Sobre o feminismo:
Chamam-nos embora “feministas”, com um certo ar de desdém, os que ainda não querem confessar a influência decisiva da mulher sobre determinadas questões (…). O nosso feminismo não é feito de pretensões ridículas nem de reivindicações injustas. Nós não somos as mulheres que abandonam o lar, passam o dia nas igrejas, fazendo novenas, esbagoando rosários; mas as mulheres metódicas – profissionais ou não – que tendo cumprido o dever que o nosso cargo nos impõe, em vez de andarmos num corrupio de loja de modas ou na bisbilhotice das visitas, lemos páginas que nos instruem, estudamos a sociedade e procuramos dar ao homem o nosso apoio para a conquista do ideal comum – que é a liberdade colectiva”.
Sobre o direito ao voto
Se se reconhece à mulher o direito ao voto, é uma incoerência reclamá-lo só para aqueles que tenham um curso ou possam ser consideradas intelectuais. Se a mulher tem direito ao voto, deve tê-lo em igualdade de circunstância com o homem; - e nesse sentido, nos declaramos já “sufragistas”… embora essa atitude brigue com o nosso Ideal – pois queremos defender a mulher do povo contra todas as aristocráticas – a aristocracia do diploma, a aristocracia do talento, a aristocracia do dinheiro”


Nota: para a elaboração deste artigo, foi consultada a seguinte biografia ESTEVES, João, Maria Veleda, in Dicionário de Educadores Portugueses, Edições Asa, 2003, pág.1421/1424
MONTEIRO, Natividade, Maria Veleda in sítio da Associação dos Professores de História,
http://www.aph.pt/
RODRIGUES, Joaquim Manuel Vieira, Maria Veleda, uma farense desconhecida, VELEDAArtigo.pdf.

1 comentário: