segunda-feira, 8 de março de 2010

Biografia de Carolina Beatriz Ângelo

Carolina Beatriz Ângelo era natural da cidade da Guarda onde nasceu em 1877, frequentou o Liceu e fez os preparatórios para admissão ao ensino superior. Em Lisboa matriculou-se Escola Politécnica e na Escola Médico-Cirúrgica, formando-se em Medicina em 1902, no mesmo ano em que casou com o primo Januário Barreto, como ela médico, e activista republicano. Pioneira na prática das intervenções cirúrgicas, foi a primeira médica portuguesa a operar no Hospital de S. José. Trabalhou também em Rilhafoles sob a orientação de Miguel Bombarda e, como Adelaide Cabete, acabou por dedicar-se à ginecologia, com consultório na Rua Nova do Almada, em Lisboa.
Em 1906, juntamente com outras quatro médicas – Adelaide Cabete, Domilia de Carvalho, Emília Patacho e Maria do Carmo Lopes – Carolina Beatriz Ângelo aderiu ao Comité Português da agremiação francesa La Paix et le Désarmement par les Femmes, sendo uma das vogais da direcção. No ano seguinte, em 1907, foi iniciada na Maçonaria, na Loja Humanidades, com o nome simbólico de Lígia. Assim, Carolina Beatriz Ângelo, com Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete e Maria Veleda fez parte do quarteto que traçou o rumo do feminismo português, conquistando certa elite feminina para o campo republicano. Como as outras três feministas, Carolina Beatriz Ângelo fez parte do Grupo Português de Estudos Feministas (1907) e da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas que, fundada em Agosto de 1908, reivindicava direitos e deveres iguais para ambos os sexos. Porém, na sequência da radicalização ideológica no seio da Liga, abandona-a juntamente com Adelaide Cabete um ano depois. Ao mesmo tempo que militava nas fileiras do feminismo português, propagandeou o Registo Civil, evidenciando-se nas sessões que realizadas em Centros Escolares.
Como Venerável da Loja Humanidades, desenvolveu uma grande actividade, participando no I Congresso Nacional do Livre Pensamento, em Abril de 1908, fez parte da delegação que a 2 de Outubro de 1910 conferenciou com o Presidente da República do Brasil, assinou o convite para que as senhoras da sua loja maçónica comparecessem nos funerais nacionais de Miguel Bombarda e Cândido dos Reis e, juntamente com Adelaide Cabete, preparou as «irmãs» da Loja Humanidades para prestarem serviços de enfermagem aquando das ameaças monárquicas junto da fronteira portuguesa.
Como militante da Liga Republicana, Carolina Beatriz Ângelo, que pertencia aos seus corpos gerentes, empenhou-se na campanha a favor da discussão e aprovação da Lei do Divórcio na Parlamento, para além de ter colaborado com Adelaide Cabete na confecção da bandeira republicana que seria hasteada a 5 de Outubro.
Depois da implantação da República, Carolina Beatriz Ângelo viveu a sua militância de republicana e feminista a um ritmo de tal maneira alucinante, que faleceu de ataque cardíaco a 3 de Outubro de 1911, aos 33 anos de idade, depois de mais uma reunião nocturna na Associação de Propaganda Feminista, deixando órfã uma filha de 8 anos de idade.
Naquele primeiro ano da República, Carolina Beatriz Ângelo abraçará ferozmente a causa do sufragismo, consumindo muitas das suas forças, ao desenvolver, individual e colectivamente, uma intensa e continuada campanha para que as mulheres, ainda que uma minoria, tivessem direito ao voto. Assim, logo em Fevereiro de 1911, fez parte da delegação da Liga que entregou a Teófilo Braga a reivindicação do direito ao voto para a mulher economicamente independente. Com a publicação da primeira lei eleitoral e apesar de esta não contemplar expressamente o voto feminino, Carolina Beatriz Ângelo entreviu a hipótese de votar uma vez que, de acordo com a letra da lei, sabia ser e escrever e era chefe de família, pois era viúva desde o ano anterior, com uma filha menor a seu cargo.
Começava, então, a saga individual desta médica pelo direito ao seu voto. Assim, a 4 de Abril apresentou na Comissão de Recenseamento do 2º Bairro um requerimento solicitando a sua inclusão nos cadernos eleitorais, com a argumentação de que sendo “viúva, médica, residente em Lisboa (…), como cidadão português, nos termos dos artigos 18º e 20º do Código Civil, não excluída dos seus direitos públicos de eleitos por qualquer dos impedimentos taxativamente enumerados no artigo 6º do decreto com força de lei de 14 de Março de 1911, e estando antes compreendida em ambas as categorias de eleitoridade (….) porquanto não só sabe ler e escrever, mas é chefe de família, vivendo nessa qualidade com uma filha menor, a cujo sustento e educação prevê com o seu trabalho profissional, bem como aos demais encargos domésticos – pretende em tempo e para todos os efeitos legais que o seu nome seja incluído no novo recenseamento eleitoral (…)”
[1].
O requerimento seguiu para o Ministro do Interior de então, António José de Almeida, sendo-lhe negada a inclusão nos cadernos eleitorais. Mas, Carolina Beatriz Ângelo não desistiu, apresentando, a 24 de Abril, um recurso no Tribunal da Boa-Hora em que invocava quer a lei de 14 de Março de 1911, quer artigos do Código Civil, declarando que a sua exclusão dos cadernos eleitorais era “manifestamente ofensivo dos seus direitos políticos como cidadão português” para acrescentar “ a reclamante requereu a sua inserção no recenseamento em 4 de Abril, fundando o seu pedido na lei que evidentemente não exclui as mulheres do direito de voto. Nem outra foi até hoje a interpretação dada pelos legisladores à sua obra, não obstante haver sido publicado posteriormente um decreto que regulou de modo diverso as condições de impedimento do direito de votar, qual o de 6 de Abril deste mesmo ano. A reclamante tem capacidade eleitoral: sabe ler e escrever, é chefe de família, é cidadão português, Código Civil, artigos 18º e 20º. Pelo exposto mais pelo douto suprimento, deve a reclamante ser inscrita no recenseamento eleitoral pela freguesia do seu domicílio – em homenagem à Lei, à Democracia, à Equidade e à Justiça (…)”
[2]
A 28 de Abril, numa decisão histórica, João Baptista de Castro, o pai de Ana de Castro Osório, juiz da 1ª Vara Cível de Lisboa, dava provimento ao pedido da médica, mandando inclui-la nos cadernos eleitorais. Deste modo, Carolina Beatriz Ângelo, com o número 2513, pode votar para a Assembleia Nacional Constituinte em 28 de Maio de 1911, tornando-se na primeira mulher a exercer o direito de voto em Portugal e em qualquer país da Europa do Sul, acontecimento com repercussões internacionais, nomeadamente nos meios sufragistas estrangeiros.
Porém, insatisfeita com as orientações da Liga Republicana quanto ao voto feminino, uma vez que um sector importante liderado por Maria Veleda não o considerava como reivindicação prioritária, para além de discordar da sua atribuição a uma minoria feminina, bem como às intransigências quanto à liberdade religiosa dentro da Liga, Carolina Beatriz Ângelo demitiu-se da vice-presidência e em Maio de 1911, juntamente com Ana de Castro Osório, deram origem à Associação de Propaganda Feminista, considerava como a primeira organização sufragista portuguesa. Eleita Presidente foi ainda no seu consultório que se realizaram parte das reuniões, como aquela de 12 de Maio que marcou a fundação oficial da Associação.
Carolina Beatriz Ângelo foi uma mulher de pensamento ousado para a época, assumindo atitudes pioneiras como quando defendeu o alargamento do serviço militar obrigatório às mulheres, ainda que estas só devessem ocupar cargos na administração militar, serviços de ambulância, enfermagem e cozinha.
Apesar de pouco lembrada, Carolina Beatriz Ângelo, com um percurso feminista de apenas meia dúzia de anos, deve ter um lugar de destaque porquanto foi figura de proa em quatro organizações de mulheres, para além de, com o seu exemplo de coragem, perseverança e luta, ter conseguido que uma mulher votasse pela primeira vez em Portugal e na Europa do Sul. Daí que, se mais nada tivesse feito em prol da dignificação e dos direitos das mulheres, o que não foi o caso, Carolina Beatriz Ângelo tem um lugar marcado na História como a pioneira do voto feminino em Portugal.


Nota: para a elaboração deste artigo, foi consultada a seguinte biografia


ESTEVES, João, Carolina Beatriz Ângelo in Revista Faces de Eva, nº 11, em www.2fcsh.unl.pt/facesdeeva_arquivo/revista
LUCAS, Ana Glória, Carolina Beatriz Ângelo: ser cidadã de corpo inteiro in http://sexoforte.net

[1] Citado por João Esteves in Carolina Beatriz Ângelo, www.2fcsh.unl.pt/facesdeeva/eva_arquivo/revista 11



[2] Citado por João Esteves in Carolina Beatriz Ângelo, www.2fcsh.unl.pt/facesdeeva/eva_arquivo/revista 11

10 comentários:

  1. Carolina Beatriz Ângelo foi uma GRANDE mulher, a 1º Mulher a VOTAR !!
    Se não fosse ela ...
    ... Não estavamos aqui !

    ResponderEliminar
  2. Carolina Ângelo foi e sempre será uma grande mulher!!
    E o melhor é que nasceu na Guarda :)

    ResponderEliminar
  3. O seu nome foi dado ao futuro Hospital de Loures, embora seja desconhecido pela maioria dos portugueses.

    ResponderEliminar
  4. Embora tarde, mas mais vale tarde do que nunca, a cidade da Guarda distinguiu-a atribuindo o seu nome à Escola Preparatória da Sequeira, nesta cidade.

    ResponderEliminar
  5. A Sra. Carolina é tetravo do meu marido.... e li mto sobre sua historia...uma mulher magnifica...

    ResponderEliminar
  6. só porque soube que este nome foi dado ao H.de Loures, fui ver a sua biografia só posso dizer que fiquei fascinada pelo seu percurso pela sua força enfim pela sua vida.Um belo exemplo para todos nós.Palmira Afonso

    ResponderEliminar
  7. È muito importante a Carolina, mas em 1974 é que as mulheres ficaram totalmente, com direitos iguais aos homens.
    Isso foi uma das belas coisas, do Abril e a Liberdade.

    Adorei saber a história, da Carolina.

    ResponderEliminar